Margarida - 29.12.2003
- Sofia's Wish

- 11 de mai.
- 3 min de leitura

Fui mãe pela primeira vez há 21 anos quando soube que estava à tua espera. Chorei de felicidade quando recebi o teste positivo. O pai nem acreditava, ficámos radiantes.
A tua gestação foi maravilhosa, conversávamos muito contigo, cantávamos para ti, vivemos dias inesquecíveis. A avó estava delirante. Por causa da minha idade fizemos a amniocentese e confirmou-se que eras uma menina cheia de saúde e vida. Por vezes parecia-me bom de mais para ser verdade.
Às 37 semanas houve um dia em que não te senti e fomos à urgência da MAC. Ouvi as palavras que ainda hoje me gelam “o coração da bebé não está a bater”. Não conseguia acreditar no que ouvia. Ficámos internadas para a indução do parto e nasceste dois dias depois. Não quis epidural porque te quis sentir.
A médica que nos acompanhou durante a gravidez insistiu para que não te visse e, no estado de choque em que estava, não te vi, o que me deixou um arrependimento para a vida. Soube que eras linda por duas auxiliares que te viram. Nasceste às 21.20h (muitas vezes olho para o relógio a essa hora e não é propositado) e na manhã seguinte o pai tratou do teu funeral sozinho, o sempre me doeu e continua a doer. Foi feita autópsia que confirmou que a causa foram três circulares do cordão umbilical.
Fui aconselhada por familiares e amigos a não ir ao teu funeral; senti que era inconcebível não ir e foi a melhor decisão que podia ter tomado.
Nos onze meses seguintes fui uma autêntica morta viva. O pai foi a minha âncora, o meu maior apoio. Outro apoio fundamental foi o da psicóloga da MAC que me acompanhou desde o início.
Houve uma altura que tive medo de te esquecer; como se isso fosse possível, minha florinha querida, ficaste comigo para sempre.
Um ano depois fiquei à espera do teu irmão. Ficámos radiantes, mas com muitos medos, sobretudo quando íamos fazer ecografias. Já era um maroto, aos sábados (dia em que partiste) só se começava a mexer mais tarde, e lá íamos nós a correr para a MAC. Com a ajuda da psicóloga arranjei estratégias para bloquear os pensamentos negativos. Pensava muitas vezes que, acabasse como acabasse, a ia viver ao máximo como vivi contigo. Mostraste-me que o tempo é realmente uma dádiva que não podemos desperdiçar.
E às 38 semanas nasceu o teu mano cheio de vida, saúde e apetite.
O não te ter visto e pegado ao colo deixou-me uma culpa brutal, como se te tivesse rejeitado. Durante muitos anos sonhava que estava à procura da tua cara. Uns tempos depois da morte do pai, há oito anos, sonhei que ele vinha contigo ao colo, te pôs nos meus braços e me disse que eras tu. Este sonho trouxe-me paz, bem como os sonhos que o teu irmão teve contigo. Da culpa só me comecei a libertar com os Pais Coragem, quase vinte anos depois. Mas faltam-me sempre o colo, o abraço e os beijos que não te dei.
Durante estes 21 anos penso todos os dias como serias se cá estivesses. Acredito que serias uma rapariga com muita auto-estima, com um pai e um irmão tão cheios de amor e protetores e apaixonada por animais.
Aprendi que o luto é um caminho cheio de altos e baixos, a aceitar a tristeza e o vazio quando vêm, fazem parte do amor infindável que sinto por ti tal como o é a alegria de recordar as coisas que aconteceram durante a tua gestação.
A tua morte não me deixou mais forte, e foi bem visível quando o pai morreu, mas sei que sou muito mais resiliente do que alguma vez pensei ser.
Não foi esta a realidade que desejei. Acredito que, por algum motivo, este é o meu percurso. Deixei de perguntar porquê e foi libertador. Passei a relativizar as coisas e a valorizar mais os momentos.
À exceção dos Pais Coragem o teu mano é a pessoa com quem converso sobre ti. Ele está nas tuas datas especiais e tu nas nossas. É um rapazinho extraordinário que me tem ensinado tanto, inclusive a viver com a dor mas não na dor. Tenho muito medo de o perder também, faço uma grande ginástica mental para lidar com isso. Sei que é mais que normal ter este medo e isso ajuda-me.
Fui abençoada contigo e com o teu irmão (não me imagino sem ser vossa mãe) e com o pai, que me deu o melhor de nós, os nossos filhos.
Mãe da Margarida




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