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Julia - 24.08.2021

Sofia's Wish


Esta é uma história de amor, a história da Julia.


O meu nome é Carolina, nasci no Brasil e mudei-me para Londres em 2016. Sempre sonhei ser mãe de uma menina, mas o tempo passou e nunca encontrei um parceiro com quem quisesse partilhar a minha vida ou em quem confiasse o suficiente para ter um filho.

Quando fiz 40 anos (2020), decidi que era altura de tomar as rédeas da situação, por isso engravidei através de FIV com um doador de esperma. O processo de FIV em si é violento e cheio de incertezas. Passar por isso sozinha foi desafiante e aterrorizante, mas todos esses sentimentos desapareceram quando engravidei à primeira tentativa, transferindo um embrião 3AA.


Embora estivesse aterrorizada com a possibilidade de ter um aborto espontâneo, fiquei mais tranquila quando passou o primeiro trimestre e os resultados da ecografia da translucência da nuca foram normais. Médicos e parteiras tranquilizavam-me sempre que estava tudo perfeito com a minha gravidez e com a minha menina, apesar da minha idade (agora 41 anos).


Queria contar à minha família e amigos sobre a minha gravidez após a ecografia do segundo trimestre – naquela altura, apenas um pequeno grupo de pessoas sabia. A minha mãe convenceu-me de que estava na altura de o fazer (tenha em mente que, devido ao Covid, não via muitas pessoas cara a cara e não tenho família no Reino Unido, por isso foi fácil esconder a minha gravidez). Decidi contar ao mundo que estava grávida quando estava com 20 semanas e 4 dias.


Todos ficaram radiantes. Naquela altura, já sabia que era uma menina e que se chamava Julia. Recebi tanto amor e tantas mensagens de parabéns que fiquei cheia de emoção.

Duas semanas depois, chegou o dia da ecografia do segundo trimestre. Estava com 22 semanas e 3 dias de gravidez. Cheguei ao hospital às 9:50 e tudo correu conforme o protocolo até alguns minutos após o início da ecografia. Senti alguma tensão entre os médicos, estavam a olhar para áreas específicas da minha menina sem me dizerem nada. Os médicos trocaram de lugar e depois vi a cabeça da Julia no ecrã. A cabeça dela não tinha a forma que devia ter.


A médica disse que não gostava do que via e que tinham convidado um especialista para me ver. Perguntei se a situação tinha a ver com a cabeça dela e a médica disse que sim. Nesse dia, saí do hospital às 19:30 com nada além de um papel que dizia que a minha bebé não sobreviveria ao parto e com uma recomendação para interrupção médica da gravidez (TFMR). Essa informação atingiu-me como um balde de água fria. Não queria "escolher", preferia morrer a decidir o destino da minha bebé.


Nesse sábado, pedi mais exames, por isso a médica recomendou uma amniocentese e uma ressonância magnética. Fiz ambos nas semanas seguintes. Os testes confirmaram que a Julia tinha malformação de Chiari tipo II e síndrome de Meckel-Gruber. A malformação de Chiari foi responsável por uma abertura no crânio dela, onde as meninges estavam a crescer fora da cabeça e, se houvesse algum desenvolvimento cerebral naquela área, estaria fora da cabeça também. A síndrome de Meckel-Gruber é uma doença genética rara e letal que causou displasia renal cística e malformações no sistema nervoso central (encefalocele occipital) nela. Isso significava que, se ela nascesse viva, morreria de insuficiência renal ou respiratória. Não conseguia decidir se deveria ou não interromper a minha gravidez, mas também não queria que ela sofresse.


Como mencionei antes, não tinha um parceiro para me ajudar com essa decisão. Com exceção de uma prima que vive na Suécia, toda a minha família vive no Brasil. Contei à minha mãe, aos meus dois irmãos e à Leticia, a minha prima que vive na Suécia, sobre o diagnóstico e a situação da Julia. Nenhum deles me disse o que fazer. Tudo o que queria era que alguém tomasse a decisão por mim.


Nunca pensei que teria um bebé tão perfeito. Mas nunca pensei que passaria por este pesadelo e não seria capaz de vê-la crescer, levá-la à escola e celebrar grandes e pequenos momentos com ela.

Conversei com uma geneticista e um neurocirurgião pediátrico. O neurocirurgião disse algo que nunca esquecerei: "Como cuidamos de um bebé cujo cérebro está fora da cabeça? Como a alimentamos? Como a seguramos?"


Nesse dia, percebi que não podia forçar a minha tão desejada e amada bebé a sofrer. Optei por interromper a minha gravidez. A minha parteira foi incrível, acompanhou-me em cada etapa da interrupção. Ela encontrava-se comigo de manhã antes da clínica ou durante o almoço para garantir que eu não estaria entre outras mulheres grávidas.

A minha prima voou da Suécia para estar comigo. Eu não queria passar pelo processo de feticídio, sabia que não seria capaz de viver com essa memória. Então, pedi para estar a dormir durante o processo e ter uma cesariana. Demorou algum tempo, mas acabei por ter o parto de que precisava.


A Julia nasceu a dormir a 24/08/2022 às 10:59. Eu estava com 28 semanas e 6 dias de gravidez. Ela era linda, era o bebé com que sonhei a minha vida inteira. Nunca pensei que teria um bebé tão perfeito. Mas nunca pensei que passaria por este pesadelo e não seria capaz de vê-la crescer, levá-la à escola e celebrar grandes e pequenos momentos com ela.

Em sua memória, partilho a nossa história com outras famílias e tornei-me uma porta-voz no Brasil na luta pelas famílias que perderam os seus bebés e não são tratadas com respeito e dignidade.


Obrigada pelo espaço para partilhar a nossa história.


A mãe da Julia

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